sexta-feira, 28 de abril de 2017

São Luís Glinion de Montfort

Puro como um Anjo, zeloso como um Apóstolo, sofredor como um penitente, foi ele o incansável missionário do amor a Jesus, por meio de Maria, na previsão de uma plêiade de almas abrasadas que viriam em tempos futuros.

Corria o ano de 1716. A missão em Saint-Laurent-sur-Sèvre — que seria a última! — começara em princípios de abril. Consumido pelo trabalho, o dedicado pregador foi acometido por uma pleurisia aguda, mas não cancelou o sermão prometido para a tarde da visita do Bispo de La Rochelle, Dom Étienne de Champflour, em 22 de abril, no qual falou sobre a doçura de Jesus. Contudo, teve de ser levado do púlpito quase agonizante…

Passados alguns dias, pressentindo a morte que já previra para aquele ano, ele pediu que, quando o pusessem no ataúde, lhe fossem mantidas no pescoço, nos braços e nos pés as cadeias que usava como sinal de escravidão de amor à Santíssima Virgem. Em 27 de abril, o enfermo ditou seu testamento e legou
sua obra missionária ao padre René Mulot.

A manhã seguinte parecia anunciar o momento derradeiro. Na mão direita segurava o Crucifixo indulgenciado pelo Papa Clemente XI e na esquerda, uma imagenzinha de Maria que sempre o acompanhara, os quais osculava e contemplava com enorme piedade. Pela tarde, o moribundo parecia travar sua luta extrema contra um inimigo invisível: “É em vão que tu me atacas. Eu estou
entre Jesus e Maria. Deo gratias et Mariæ. Cheguei ao fim da minha
carreira: pronto, não pecarei mais!”. Ao anoitecer, entregou sua alma a
Deus, com apenas 43 anos de idade. Milhares de pessoas vieram venerar
os restos mortais de seu apóstolo e Dom Champflour afirmou haver
perdido “o melhor sacerdote da diocese”. 2 Este era São Luís Maria Grignion
de Montfort, um “padre que vivera com a pureza dum Anjo, trabalhara
com o zelo dum Apóstolo e sofrera com o rigor dum penitente”.

Muito difundida é sua doutrina mariana. Sem embargo, menos conhecida
é sua vida, tão fecunda apesar de curta, da qual poderemos contemplar alguns breves traços.

Escolhido desde a infância

Nasceu ele a 31 de janeiro de 1673, na cidade bretã de Montfort-La-Cane — hoje Montfort-sur-Meu —, no seio de uma numerosa família com 18 filhos. “O povo de Bretanha entrega-se por completo; é uma raça duma só peça”,4 e Luís
herdou este vigor de espírito. Seus pais, Jean-Baptiste Grignion e Jeanne
Robert, o levaram à pia batismal no dia seguinte de ter visto a luz, na Igreja paroquial de Saint-Jean.

Quando ainda muito menino, a família se instalou na propriedade do Bois-Marquer, em Iffendic. A velha igreja desta cidade foi o cenário
de suas primeiras orações e o berço de sua ardorosa devoção ao Santíssimo
Sacramento. Ali fez a Primeira Comunhão e passava horas em recolhimento.

Seu espírito apostólico manifestava-se desde a infância, ao encorajar
a mãe nas dificuldades domésticas ou na atenção a seus irmãos, em
especial à pequena Luísa, que veio a ser religiosa beneditina do Santíssimo
Sacramento, com sua ajuda.

Conheceu o amor a Maria Santíssima no coração de sua mãe, e este amor se tornou a via montfortiana por excelência. Na verdade, “a Santíssima Virgem foi a primeira a escolhê-lo e a elegê-lo um dos seus maiores favoritos, e gravara na sua jovem alma a ternura tão singular que ele sempre Lhe votara”.

No colégio dos jesuítas de Rennes

Aos 12 anos, seus pais o enviaram a Rennes, para estudar no Colégio São Tomás Becket, dirigido pelos jesuítas, famoso por seu curso de humanidades e por formar seus educandos no autêntico espírito cristão. O ensino era gratuito e seus mais de mil estudantes não eram internos, por isso Luís Maria hospedou-se com um tio, o Abade Alain Robert de la Vizuele.

Excelente aluno, dedicava-se ao estudo com afinco, compreendendo sua importância para a vida espiritual e o futuro ministério que tinha em vista. Seu espírito recolhido o afastava do bulício da multidão ruidosa dos rapazes e sua distração era visitar as igrejas da cidade onde havia belas e atraentes imagens de Maria Santíssima. Não há dúvida de que esta terna e sincera devoção foi a salvaguarda de sua pureza e abrigo seguro contra as solicitações do mundo.

Ali conheceu Jean-Baptiste Blain e Claude-François Poullart des Places, dos quais tornou-se grande amigo. Mais tarde, eles lhe serão valiosos apoios em suas fundações. Pertencia à Congregação Mariana do colégio e, com Poullart des Places, organizou uma associação em honra da Santíssima Virgem, visando fazer crescer a dedicação a Ela, “encorajar os seus colegas ao fervor e fazer brilhar aos olhos das almas jovens as belezas do sacerdócio e do apostolado”.6 Blain, depois da morte do Santo, escreveu suas recordações pessoais e memórias, tornando-se uma das principais fontes históricas da vida dele.

Muito caritativo, inúmeras vezes se fez esmoler para ajudar algum condiscípulo mais pobre do que ele; atitude que se repetiu, com frequência, ao longo de sua vida missionária. “Só falava de Deus e das coisas de Deus; só respirava o zelo pela salvação das almas; e, não podendo conter o seu coração inflamado no amor de Deus, só procurava aliviá-lo, através de testemunhos efetivos de caridade em relação ao próximo”.

Apesar do intenso trabalho ao qual se dedicava, São Luís encontrava tempo para desenvolver seu veio artístico: esculpia com talento, em especial imagens de Maria, pintava, compunha melodias e poemas.

Em Rennes sentiu o chamado definitivo ao estado eclesiástico. Conta
um de seus companheiros — a quem ele confidenciara esta graça — ter sido aos pés de Nossa Senhora da Paz, na igreja dos carmelitas, que conheceu sua vocação sacerdotal, “a única que Deuslhe indicava, por intermédio da Virgem Maria”.

Em Paris, o seminário

Em 1693 dirigiu-se a Paris, a fim de preparar-se para o sacerdócio. Deixava para trás a terra natal e a família, e quis percorrer a pé os mais de 300 km que o separavam da capital francesa. Este será invariavelmente seu modo de viajar, seja em peregrinação, seja em missão.

Já nesse remoto século XVII, Paris exercia sobre seus visitantes fascinante atração. Ao entrar na cidade, o primeiro sacrifício feito por Luís foi o da mortificação da curiosidade: estabeleceu um pacto com seus olhos, negando-lhes o lícito prazer de contemplar as incomparáveis obras de arte parisienses.
Assim, quando partiu, dez anos depois, nada havia visto que satisfizesse seus sentidos.

Começou os estudos no seminário do padre Claude de la Barmondière, destinado a receber jovens pouco afortunados. Com a morte deste religioso, Montfort se transferiu para o Colégio Montaigu, dirigido pelo padre Boucher. A alimentação ali era muito deficiente e suas penitências tão austeras que lhe abalaram a saúde e o levaram ao hospital. Todos acreditavam que morreria, tão grave era seu estado, mas ele nunca duvidou da cura, pois sentia não haver chegado sua hora. E, de fato, logo se restabeleceu.

Quis a Divina Providência obter-lhe os meios para terminar os estudos no Pequeno Seminário de Saint-Sulpice. O diretor daquela instituição, conhecedor da fama de santidade do seminarista, “encarou como uma grande graça de Deus a entrada deste jovem eclesiástico na sua casa. Para prestar a Deus ações de graças, mandou rezar o Te Deum”.9 Entretanto, tratava-o com muito rigor, para pôr à prova suas virtudes; começou então para nosso Santo uma via de humilhações, que se prolongou ao longo de toda a sua vida.

Por fim, sacerdote!

Executava com a maior perfeição possível as funções que lhe eram designadas, quer nos serviços mais humildes ou nos estudos, quer na ornamentação da igreja do seminário ou como cerimoniário litúrgico, no serviço do altar.

Suas primeiras missões remontam a esta época. Algumas eram feitas
internamente, para aumentar a devoção de seus confrades; outras consistiam em aulas de catecismo ou pregações, para pessoas de fora do seminário. “Possuía um raro talento para tocar os corações”: às crianças falava de Deus, da bondade de Maria, dos Sacramentos que precisavam receber; aos adultos pedia que santificassem seu labor com as mentes postas no Céu.

Esforçava-se por comunicar a prática da escravidão de amor a Nossa Senhora a seus condiscípulos e estabeleceu no seminário uma associação dos escravos de Maria. Todavia, não faltaram opositores que o taxaram de exagerado. Aconselhado pelo padre Louis Tronson, superior de Saint-Sulpice, passou a designar esses devotos como “escravos de Jesus em Maria”,11 e vai ser esta expressão que mais tarde ficará consignada no seu Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem.

“À medida que a aurora do sacerdócio despontava no horizonte, Luís Maria sentia mais do que nunca a necessidade de separar-se da Terra a fim de se recolher completamente em Deus”.12 Foi ordenado em 5 de junho de 1700, dia de Pentecostes, e quis celebrar sua primeira Missa na capela de Maria Santíssima, situada atrás do coro da Igreja de Saint-Sulpice, tantas vezes ornada por ele durante os anos passados no seminário. Blain, seu amigo e biógrafo,
resumiu em quatro palavras suas impressões sobre aquele espetáculo sobrenatural: era “um anjo no altar”.

De Nantes a Poitiers

O espírito sacerdotal do padre Luís Maria sentia insaciável sede de almas e as missões em terras distantes o atraíam sobremaneira. Perguntava-se: “Que fazemos nós aqui […] enquanto há tantas almas que perecem no Japão e na Índia, por falta de pregadores e catequistas?”.

No entanto, tinha Deus outros planos para seu missionário naquele momento. Designado para exercer o ministério na comunidade de eclesiásticos Saint-Clément, em Nantes, na qual se pregavam retiros anuais e conferências dominicais para o clero da região, dirigiu-se para onde o mandava a obediência. Seu coração, porém, se dividia entre o desejo da vida oculta e recolhida e o apelo às missões populares, que tanto o atraíam.

Uma feliz experiência missionária em Grandchamps, nos arredores de Nantes, foi decisiva para tornar patentes seus dotes como evangelizador. Algum tempo depois, o Bispo de Poitiers o chamou para trabalhar no hospital desta cidade, pois uma curta permanência sua anterior por lá deixara tal rastro sobrenatural, que os pobres internos o solicitavam para capelão. Foi também nesta cidade que conheceu Catherine Brunet e Maria Luísa Trichet, com quem fundaria mais tarde, em Saint-Laurent-sur-Sèvre, as Filhas da Sabedoria.

Bênção papal: missionário apostólico

A ação missionária de São Luís Grignion acabou por despertar ciúmes, intrigas e até perseguições por parte dos que o deveriam defender, obrigando-o a regressar a Paris. Iniciava-se, assim, um longo caminho de dor que haveria de continuar nas subsequentes missões por ele empreendidas. A autenticidade de suas palavras e de seu exemplo despertavam tantas incompreensões e calúnias que o missionário decidiu peregrinar a Roma, a pé, a fim de procurar junto
ao Papa uma luz que desse o rumo de sua vida. “Tanta dificuldade em fazer o bem em França e tanta oposição de todos os lados”15 o levaram a pensar se não seria mesmo o caso de exercer seu ministério num outro país.

Recebido com extrema bondade por Clemente XI, este o encorajou a continuar exercendo seu trabalho missionário na própria França. E para “lhe conferir mais autoridade, deu ao padre Montfort o título de Missionário apostólico”. 16 A pedido do Santo, concedeu o Pontífice indulgência plenária a todos os que osculassem seu Crucifixo de marfim, na hora da morte, “pronunciando os nomes de Jesus e Maria com contrição dos seus pecados”.

Fortalecido pela bênção papal e com o Crucifixo afixado no alto do cajado que o acompanhava nas missões, Grignion voltou às terras gaulesas e, impertérrito, sem nada temer das perseguições ou contrariedades, continuou semeando por toda parte o amor à Sabedoria Eterna e a Nossa Senhora, e a excelência do Santo Rosário. Converteu populações inteiras, mudou costumes licenciosos no campo, nas cidades e aldeias, levantou Calvários, restaurou capelas e combateu o espírito jansenista, tão disseminado na época.

No entanto, foi pouco compreendido por muitos eclesiásticos seus contemporâneos e viu desencadear-se sobre si uma onda de interdições. Prosseguia sua missão, sem desanimar, sendo acolhido pelos Bispos das Dioceses de Luçon e La Rochelle, na Vandeia, região que reagirá, no fim daquele século, à impiedade difundida pela Revolução Francesa, sem dúvida como fruto de sua semeadura.

Olhar posto no futuro…

Seria um erro, contudo, considerar São Luís Grignion apenas como um excelente missionário na França do século XVIII. Com o olhar posto no futuro, sua fogosa alma tinha por meta estender o Reino de Cristo, por meio de Maria, e para isto servia-se de uma forma de evangelização que hoje não poderia ser mais atual: “ir de paróquia em paróquia, catequizar os pequeninos, converter os pecadores, pregar o amor a Jesus, a devoção à Santíssima Virgem e reclamar, em voz alta, uma Companhia de missionários a fim de abalar o mundo através
do seu apostolado”.

Num élan profético, previu ele a vinda de missionários que, por seu inteiro abandono nas mãos da Virgem Maria, satisfariam os mais íntimos anseios do Coração de seu Divino Filho: “Deus quer que sua Santíssima Mãe seja agora mais conhecida, mais amada, mais honrada, como jamais o foi”.19 Não obstante, se perguntava: “Quem serão estes servidores, escravos e filhos de Maria?”.20 Serão eles, afirmava, “os verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, aos quais o Senhor das virtudes dará a palavra e a força para operar maravilhas”. Antevia que seriam inteiramente abrasados pelo fogo do amor divino: “sacerdotes livres de vossa liberdade, desapegados de tudo, sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem irmãs, sem parentes segundo a carne, sem amigos segundo o mundo, sem bens, sem obstáculos, sem cuidados, e até mesmo sem vontade própria”.

São Luís Maria Grignion de Montfort não foi senão o precursor desses apóstolos dos últimos tempos. Modelo vivo dos ardorosos missionários que prognosticava, manteve a certeza inabalável de que, quando se conhecesse e
se praticasse tudo quanto ele ensinava, chegariam indefectivelmente os tempos que previa: “Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariæ”23 — Para vir o Reino de Cristo, venha o Reino de Maria. Reino este que, em germe, já habitava em sua alma, tornando-o o primeiro apóstolo dos últimos tempos. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2015, n. 160, pp. 32 à 35)



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